Layla Thamm


É muito comum ouvir histórias de pessoas LGBTQIAP+ que se descobriram no começo da vida adulta, ou até mesmo depois. O que fica é o questionamento: por que isso acontece? Para tentar esclarecer os motivos pelos quais tantos membros da comunidade podem demorar mais tempo para reconhecer a própria sexualidade e/ou identidade de gênero, o iG Queer consultou alguns especialistas para debater a questão.

João Luís Weber, professor de psicologia, explica como a sexualidade é vista e construída conforme os seres humanos se desenvolvem e amadurecem. Ele afirma que, primeiramente, é importante compreender que, embora a orientação sexual seja estática e imutável para a maioria das pessoas, há algumas que podem, ao longo de suas vidas, experienciar mudanças em relação à orientação.

“Dito isto, a nossa sociedade é organizada de forma binária, em que temos a tendência de classificar tudo em pólos opostos. A bissexualidade, por exemplo, muitas vezes é compreendida como um momento de transição, em que a pessoa estaria ‘em cima do muro’. Esta dificuldade social em compreender que a experiência humana não opera nestes binarismos, faz com que as pessoas sintam uma certa pressão para se identificarem como hétero ou homossexuais, negando as outras formas de ser”, detalha.

“As instituições sociais que compõem o nosso entorno colocam uma pressão para que as pessoas sigam certos padrões, moldando a subjetividade e até mesmo os desejos das pessoas para se encaixarem naquilo que supostamente seria o correto. Tais questões são vivenciadas na família, nas escolas, em instituições religiosas e também são reforçadas pela mídia. Todos estes elementos podem fazer com que as pessoas, muitas vezes, se sintam deslocadas e/ou adoecidas por não estarem enquadradas, negando seus sentimentos e modos de compreender a si”, completa ele.

Em vista disso, o especialista também chama a atenção para a possibilidade de relativizar o termo “descoberta tardia”, pois tal fenômeno pode ser causado tanto por uma pressão ou opressão externa quanto pelo próprio ritmo do indivíduo em conseguir compreender a si mesmo.

“Não há uma idade padrão para tal entendimento, algumas pessoas experimentam este encontro mais jovens, enquanto outras um pouco mais velhas. Quando tal compreensão se dá de forma tardia devido a uma forte repressão social, este processo torna-se conflitivo e pode levar a pessoa a desenvolver uma série de sintomas depressivos. Quando vemos indicativos de que a ideação suicida é em torno de três vezes maior na população LGBTQIA+, devemos ligar o sinal de alerta, compreender e modificar tal cenário. O sofrimento destas pessoas não é decorrente do que elas são e sim do modo como são vistas e tratadas em nossa sociedade”, pontua.

Levando em consideração o cenário do autoconhecimento, a psicóloga e psicanalista Layla Thamm destaca alguns agentes dificultantes no caminho de exploração e descoberta da sexualidade e da identidade de gênero. Ela afirma que atualmente vivemos em uma sociedade LGBTfóbica, que coloca a cisgeneridade e a heterossexualidade como padrão. Isso gera o medo de ser diferente e ser excluído por conta disso.

“Um dos fatores que pode levar a uma demora na descoberta da sexualidade é a internalização desses valores preconceituosos da sociedade, não aceitar ver em si algo diferente do padrão. O ambiente familiar também conta, e uma família que demonstra ser mais preconceituosa pode inibir uma pessoa a entrar em contato com a própria sexualidade. Muitas religiões não aceitam pessoas LGBT, e uma pessoa religiosa, ligada a esses valores e à comunidade, pode ter medo de explorar a sexualidade para não perder essa rede de apoio e tentar evitar conflitos éticos e morais”, comenta.

Ainda de acordo com ela, descobrir-se já na fase adulta ou depois dela não necessariamente pode acarretar algum tipo de consequência na saúde mental ou emocional do indivíduo. Cada experiência depende muito da trajetória de descoberta de cada um.

“Os casos são muito variados. Existem pessoas que se enxergaram como cis e hétero durante boa parte de suas vidas por se identificarem de fato ou por não enxergarem outra opção de modos de ser, e mais tarde em sua vida descobrem novas possibilidades de identificação e de desejo e se permitem vivenciar isso. Mas existem pessoas que sempre sentiram que a identidade de gênero estava inadequada ou sentiram atração pelo mesmo ou outros gêneros e reprimiram isso. Essa realidade é algo que pode gerar adoecimento psíquico, com muita energia gasta em reprimir esses desejos\identificações, podendo levar a sintomas de ansiedade, depressão, entre outros”, explica.

Vera Lucia Moris, psicóloga psicoterapeuta especializada em homopaternidade e famílias homoafetivas, conta que muitas pessoas LGBT constroem família antes de se descobrirem e outras, depois. Em cada um desses casos, a experiência varia.

“Alguns se casam, constituem família e precisam empreender a revelação cuidadosa e respeitosa deste aspecto importante das pessoas que ama. A autoaceitação é demorada, assim como pode levar um tempo que os outros também processem esse fato. Isso pode gerar sofrimento a todos envolvidos. Outros indivíduos que se assumem mais tardiamente e não constituíram família antes podem enfrentar da mesma forma preconceito se quiser constituir uma família não tradicional, com parentalidade não heterossexual, como a homoafetiva, monoparental, entre outras. Esse indivíduo, ou esse casal não heterossexual, enfrentará preconceitos, visto que para as instituições (jurídicas, educacionais, religiosas ou sociais), não é aceito como natural e previsto”, discorre.

Para aqueles que levam um pouco mais de tempo para se descobrirem, Layla pontua algumas consequências externas às quais estas pessoas estão sujeitas a sofrer pelo sistema organicamente LGBTfóbico. A profissional afirma que existe ainda o medo de ser excluído e perder as redes de apoio como um todo: familiar, de amigos e religiosa.

“Se a pessoa já tiver constituído família, num casamento heterossexual por exemplo, existe muita coisa em jogo: a reputação, o cônjuge, o olhar dos filhos e do restante da família. Há o medo da não aceitação no mercado de trabalho, o conflito de contar ou não para os colegas de trabalho sobre a vida afetiva, além do medo de sofrer agressões físicas na rua. Em resumo, toda a rede de relacionamentos e de apoio da pessoa, que foram construídas ao longo de anos, ficam ameaçadas. Então há muito a perder”. Ela acrescenta ainda que, além das questões sobressalentes, há os obstáculos internos também.

“E existe o preconceito internalizado, que é uma reprodução do preconceito que existe na sociedade contra si mesmo. Uma pessoa que se descobre tarde muitas vezes não tem contato com outras pessoas da comunidade LGBT, e a única referência que ela tem é da maneira que o LGBT é retratado na mídia, de forma caricata e pejorativa na maior parte das vezes. Então existe o medo de se ver e ser visto como um estereótipo, como os muitos que existem na mídia e em piadas preconceituosas”, finaliza.

Artigo publicado no Portal IG

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